Artigos de José Luiz Del Roio

Pela verdade e justiça


Nos primeiros anos da década de 60 o Brasil era um país onde a maioria de sua população vivia numa situação miserável. No campo, a esperança de vida mal chegava aos quarenta anos, e morriam 170 crianças a cada mil nascidas. Tracoma, verminose, tuberculose e fome crônica permeavam a vida de milhões de infelizes. Analfabetos e esfarrapados vagavam pelas estradas, carregando suas tralhas. Somente a arte incomensurável de um Candido Portinari, conseguiu retratar em todo o seu horror esta realidade.

Ao mesmo tempo uma onda de energia, numa torrente de esperança aquecia os espíritos daqueles que amavam seu povo e sua pátria. O golpe militar de 1961, que se tentou realizar após a estranha renuncia do presidente Jânio Quadros, havia sido debelado. O vice-presidente João Goulart eleito e depois referendado pela imensa maioria dos votantes tomou posse. 

O país fervilhava de ideias. Milhares de jovens aprendiam o método de alfabetização Freire, para poderem colaborar na campanha de ensinar a ler e escrever aos adultos;
Nasciam grupos de teatros populares para apresentarem-se nas praças das cidades, mesmo pobres e pequenas, que nunca haviam visto nada de igual; O cinema brasileiro, representando a realidade dos sofridos, atraiam multidões; Na musica novos sons eram elaborados, como a Bossa Nova para a os setores de classe media ao mesmo tempo que uma plêiade de novos cantores e compositores através de vibrantes criações convocavam para a transformação social. Em todos os setores da cultura se inovava, fosse na arquitetura, poesia, literatura, pintura.....

No plano político o choque entre o velho conservador e arcaico contra o novo modernizador  era muito duro.  O governo do presidente  João Goulart, impulsionado por um potente movimento popular lançou o programa das reformas de base. Destacava-se o projeto de reforma urbana, que focava a necessidade de reorganizar as cidades, traçadas com o mal gosto e exclusões pelas  oligarquias, torna-las visíveis  para a maioria e disponibilizar o numero de habitações populares necessárias; a reforma bancaria, para limitar a sede insaciável dos banqueiros disponibilizando capitais para infra-estruturas e empréstimos populares; reforma universitária que possibilitasse o acesso a estas instituições de um numero muito maior de alunos, do que aquele pequeno grupo que podia atingir esta meta, condicionando o Brasil a não se desenvolver por falta de tecnologia e instrução; reforma agrária, redistribuindo um mínimo de terras para acabar com a fome atávica do camponês e disponibilizar alimentos para toda a população.   Alem do direito de que os trabalhadores do campo pudessem possuir sindicatos que o representassem e os sindicatos urbanos tivessem o direito de legalizar centrais sindicais. 
Na verdade um programa moderado, que já havia sido realizado em muitos países. So para citar um exemplo, a reforma agrária foi implantada na França em 1789 e nos Estados Unidos no século XIX.

Contra  estes avanços abriram-se as comportas do inferno. Altamente financiados pelos governo dos Estados Unidos, grupos civis e militares de apátridas começaram a conspirar contra o governo legitimo e seu próprio povo. Meios de comunicação de massas, associações patronais, setores religiosos mobilizavam Pedaços da sociedade civil, com a cabeça vazia mergulhados na ignorância e no preconceito, mas com o coração transbordando maldade atiravam-se contra as mudanças.    

Como sabemos o golpe militar - civil foi desferido contra a nação. Com constituição rasgada, o parlamento mutilado, imediatamente todos os sindicatos dos trabalhadores foram invadidos e sofreram intervenção. Somente nos primeiras semanas após o golpe mais de 50.000 pessoas foram presas, segundo publicação do IEVE, imprensa oficial do Estado de São Paulo, dossiê ditadura. Eram tantos os prisioneiros que não havia mais lugar nos cárceres e foram utilizados barcos, como em Santos o navio - prisão Raul Soares. Centenas de camponeses foram assassinados. Teve inicio a orgia de torturas. Milhares de trabalhadores perderam seus empregos, amargando a miséria para si e sua família.
Outros milhares de lares humildes foram violados e seus pertences roubados, pelos ladrões esbirros da ditadura. Estudantes foram expulsos de suas escolas, intelectuais tiveram suas obras censuradas, e uma longa filas de brasileiros perderam sua pátria  rumando ao exílio.  Quase 7.000 militares patriotas foram expulsos ou reformados.  O Brasil se transformou numa  "republiquinha"  das bananas.

Aqueles com as "cabeças vazias e corações  repleto de maldades" festejaram com cultos religiosos, festas, lagrimas aos olhos, pedindo em nome do Senhor, mais repressão.
Finalmente estes sujos camponeses seriam colocados em seus lugares, os trabalhadores emudecidos, os intelectuais não iriam mais pensar.  E todos nos alinharíamos com o grande irmão  do norte, os Estados Unidos.

Bragança Paulista na sua insignificância não foi diferente. 

Sindicato dos têxteis e dos trabalhadores na agricultura foram destruídos; jovens acusados de crimes como o de vender livros, ajudarem os mais pobres ou possuírem pequenas bibliotecas em casa, foram processados. Os sinos tocaram em sinal de jubilo, as associações como a dos comerciantes, emitiam notas de apoio aos militares golpistas. Um bispo católico, que não conhecia a palavra caridade e pobreza, D. José Maurício da Rocha liderava o carnaval pagão e reacionário. Este mesmo bispo que se opôs ao Papa João XXIII e a concilio Vaticano II. O orgulho da Igreja católica não foram pastores como ele e sim um D. Helder Câmara ou Cardeal Arns, filhos diletos do Espírito.

Esta na hora, de que a cidade através de seu prefeito, e  câmara dos vereadores (principalmente, pois está num palácio chamado Médice), pedissem desculpas e reconhecessem a infâmia cometida naqueles tempos, como já o fez o governo Federal e o governo Estadual.

Passaram 21 anos de torturas assassinatos e pessoas desaparecidas. A escola publica foi desestruturada; fomentou-se  uma enorme migração do campo as cidades aumentando os cinturões de miséria; os salários sofreram reduções e a concentração de renda aumentou.
A imposição a um tipo de comunicação de massas, principalmente a televisão de baixo nível, aliada a uma feroz censura,  deseducou  ainda mais amplos setores da população; na politica exterior, invadiu o pais irmão da Republica Dominicana, e colaborou intensamente para a implantação das ditaduras na Argentina, Bolívia, Uruguai e Chile. Um péssimo balanço.   

Hoje, a batalha pela historia foi parcialmente ganha. Uma resistente e torturada, Dilma Rousseff, ocupa a Presidência da Republica e com um apoio imenso de seus compatriotas. A data do infame golpe, 1 de abril é proibida de ser comemorada. Os nomes das praças e avenidas com os nomes dos golpistas, traidores, torturadores, violentadores, começam a serem retirados, os livros de escola timidamente contam a verdade. Mas ainda falta muito. E preciso que rapidamente a Presidente Dilma Rousseff instale a Comissão da Verdade, que o ministério público de andamento a seus processos. E que alem da verdade exista também a justiça.
Uma grande nação só se constrói quando o seu povo conhece sua historia, arranca a mascara da mentira e assume orgulhoso o seu futuro.





O golpe fascista de 1º de abril

No ano de 2011, finalmente, o Estado brasileiro proibiu as comemorações que ainda se realizavam em alguns resíduos quartéis das forças armadas, glorificando o golpe militar de 1964. Seguramente a página mais escabrosa e nojenta do período republicano.
Para os que se esqueceram ou não sabem é bem recordar que:

- Estava exercendo os poderes presidenciais, o senhor João Goulart, eleito pelo voto direto da maioria dos eleitores.
- Que o Parlamento Nacional funcionava regularmente.
- Que o poder judicial trabalhava de forma normal e sem pressões.
- Que a imprensa era livre.
- Que em outubro de 1964 se realizariam as eleições para a Presidência da República, Parlamento nacional, governadores, etc. As indicações de voto davam uma margem ampla de vitória ao Presidente Juscelino Kubitschek.
- Como ficou amplamente provado pelos documentos históricos, não havia nenhum esquema da parte do governo de romper a legalidade republicana.

 O que aconteceu no dia 1° de Abril, foi um golpe realizado por uma parte das forças armadas, içadas e apoiadas pelos latifundiários, donos de bancos e grandes jornais, alem dos interesses imperiais dos Estados Unidos. Houve setores da classe média que se deixaram levar pela embriaguez de uma fanática campanha anti-comunista. E os que assim fizeram, também carregam a culpa desta mancha na história da pátria.
Foi um golpe contra os mais humildes, lavradores escravizados nas fazendas, trabalhadores de fabricas e construções, que suavam e morriam para conseguir o pouco pão as suas famílias; mas também contra que inteligência que era o orgulho desta nação: escritores, cientistas, músicos, arquitetos, atores e diretores de teatro e cinema, artistas plásticos.
O parlamento foi conspurcado com a cassação de mandatos, os sindicatos sofreram intervenção, a imprensa progressista empastelada. E o horror covarde, o nível mais baixo que um ser chamado humano pode cair, começou a se difundir no pais: a tortura.
Em Santos foi ancorado um velho navio o "Raul Soares" onde eram levados os prisioneiros que não cabiam mais nas prisões, todos com sinais de mal tratos. Entre eles, somente para citar um exemplo, encontrava-se o ilustre médico e professor da Universidade de São Paulo, Luiz Hidelbrando. Anos depois já no exílio, seria o diretor do, talvez, mais importante centro de pesquisas médicas do mundo: o Instituto Pasteur de Paris.
No nordeste  lavradores foram despedaçados, lhes cortavam mãos ou pés.
O grande líder camponês Gregório Bezera foi amarrado e arrastado num jipe pelas ruas do Recife. Poderia continuar, mas a lista seria muito longa.
Segundo a Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, na sua publicação "Habeas Corpus"  de 2010, cerca de 100.000 pessoas foram perseguidas ou detidas durante a ditadura militar por motivos políticos, entre eles 6.592 militares.
Mas a covardia, crueldade e ignorância do fascismo golpeava até nos pequenos centros. Vamos ver Bragança Paulista. Cidade que contava com menos de 50.000 habitantes. Aqui também os sindicatos sofreram intervenções e dezenas de pessoas foram processadas. Sobre a batuta do delegado Roberto Cardoso de Mello Tucunduva, foram coagidos trabalhadores, estudantes, e menores de idade para elaborar um pobre e imbecil inquérito policial.
A casa de um estimado advogado bragantino, que não citarei o nome, foi invadida e conquistado como botim e incluído nos autos, um perigoso material: livros. Alguns títulos: "A Aliança para o Progresso" autor Lincoln Gordon (embaixador dos USA no Brasil); "Crise do Mundo Moderno" do padre Leonel Franca;  "Reforma Agrária" do bispo Dom Geraldo de Proença Sigaud  (Bispo contra o Concilio Vaticano II); O Poder Soviético do Deão de Canterbury, ou seja chefe da Igreja Anglicana. Realmente a prova que estavam diante de um perigoso terrorista. Mas para o fascismo o fato de possuir livros já é uma culpa.
Terminando este artigo gostaria de prestar uma homenagem a um patriota, homem humilde, lavrador e negro. Morador do bairro de Cruzeirinho em Bragança. Vendo o sofrimento, descriminação e miséria que viviam seus irmãos  lavradores, tentou criar um sindicato de trabalhadores rurais em Bragança. Abriu-se as cataratas do céu contra ele, que ousava perturbar a ordem estabelecida, na qual os camponeses não tinham direitos nenhum. Com voz calma consumava dizer. "Pau que nasce torto tem jeito sim, basta ir colocando estacas com cuidado e ele vai com o tempo se endireitando; a sociedade é igual, esta torta, mas com jeito pode se endireitar". Pura sabedoria popular. 
Processado depois do golpe, desapareceu, nunca mais soube nada dele.


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